Da
tríplice tentação a que Jesus foi submetido no deserto antes do inicio
de sua vida publica, podemos ter um resumo de todas as tentações que
hoje lesam o ser humano. No Evangelho, somente Mateus (4,1-11) e Lucas
(4,1-13) detalham o episódio e falam de Jesus a sentir fome após jejuar
quarenta dias e quarenta noites. A primeira das tentações e precisamente
a proposta de que o Senhor transforme pedras em pães e assim tenha
alimento. O demônio, como resposta, recebe de Jesus a frase emblemática
“Nem só de Pão vive o homem”, conhecida também no Antigo Testamento (Dt
8,3).
Podemos então traduzir esta como a tentação do prazer tão sensível em
nossa faminta sociedade de consumo; ela inicia pelo desregramento
alimentar e transita com ímpeto pela bebida, sexo e drogas. Nela se
encontram incontáveis subsídios em particular na mídia massificante, e
assim, imerso e cego pelo prazer, o homem abandona os valores sublimes,
as virtudes, a religião.
As práticas penitenciais do jejum e da abstinência nos levam a uma
experiência indizível e esplendorosa, pois além de tema vibrante e
abrangente, não se resumem ao aspecto da espiritualidade, elas envolvem
aspectos como o da vida moral, corporal-fisiológica, alimentar e das
obras de misericórdia corporais.
Não basta a sociedade se preocupar tanto com o que e como se alimenta,
porém, entender o porquê, a razão de manter o corpo e mente saudáveis
não somente pelos instintos. Estes se resumem na sobrevivência, ou então
para a busca do prazer como o único bem possível, princípio e fim da
vida moral. Não há como separar a realidade física, material, orgânica,
do transcendente e ter em vista o fim verdadeiro do homem e o sentido da
sua vida.
Ao mesmo tempo, consumistas que somos ignoramos o enorme desperdício de
alimentos em nossas casas e fazemos de conta que “isto não faz falta”
aos irmãos menos favorecidos – obrigados a tirar de nossos restos, nos
lixões, o seu sustento (e até mesmo alguns alimentos, se é que podemos
chamá-los alimentos).
O jejum, logo, nos ajuda no amor ao próximo e abre os nossos olhos em
sua necessidade material. Nós vos prescrevemos o jejum, lembrando-vos
não só da abstinência, mas também das obras de misericórdia. Deste modo o
que tiverdes economizado nos gastos normais, se transforme em alimento
para os pobres. (S. Leão Magno).
"Podes comer... mas não comas!"
Em relação à abstinência alimentar a narrativa bíblica aponta para a
primeira instância onde uma norma de conduta foi imposta pela ordem do
Senhor ao homem: “Podes comer do fruto de todas as árvores, do jardim,
mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem do mal, porque no dia
em dele comeres, morrerás indubitavelmente” (Gn 2,16 - 17).
A finalidade desta ordem divina foi legar uma bússola moral à criatura
humana, dotada de razão e inteligência, através da qual pudesse
reconhecer a imprescindível dependência da criatura ao Criador. Ao
transgredi-la a criatura passou a ter um grave débito perante o seu
Criador; a desobediência de Adão fez do ser humano um fora da lei divina
responsável por seu delito, e sujeito ao julgamento do Criador, não
como juiz intolerante, mas Pai zeloso e amoroso.
Diante disto a lei natural ditou a necessidade de nos penitenciarmos e a
lei positiva determinou os meios pelos quais esta obrigação natural
deveria ser cumprida. O principal resultado desta determinação foram
normas positivas relativas ao jejum e à abstinência.
A lei natural consiste em um princípio supremo universal do qual
derivam-se todas nossas obrigações ou deveres morais naturais; esta lei é
universal e imutável e se aplica de modo igual a todos seres humanos.
Assim, independente de qualquer época ou cultura, o homem é e será
sempre bom, o que for segundo a sua natureza, ou mau, no que for contra
ela. Esta lei, diz S. Paulo, está gravada no coração humano (cf. Rm
2,14-15).
A lei positiva, por sua vez, não pode ordenar algo contrário à lei
natural, da qual provém sua autoridade e recebe sua eficácia imperativa.
Escreve um dos Padres da Igreja: “De tudo o que nós fizermos por meio
do corpo, deveremos prestar contas a Deus” (S. Cirilo de Jerusalém, Cat.
XVIII, 20).
É indispensável colocar clara distinção entre os termos Abstinência e Jejum:
ABSTINÊNCIA: relaciona-se à Qualidade e Origem dos Alimentos.
1. Aquilo que não deve ser consumido em determinados momentos do ano
litúrgico, como a carne bovina, suína e de aves na sexta-feira Santa,
substituídas por peixe (ichtys, peixe, simbolismo profundo na tradição
cristã), com austeridade, sem exageros e sofisticação na sua preparação.
2. Controle sobre os itens não-alimentares, como os de consumo supérfluo, entretenimento, lazer e sobre o comportamento moral.
JEJUM: relaciona-se à Quantidade dos Alimentos.
Redução parcial, ou privação temporária, com substituição de alimentos
sólidos por líquidos (sucos naturais e água) e pão, a serem consumidos
nos momentos Litúrgicos recomendados pela Igreja, ou dias à escolha.
No Antigo Testamento, em Ez 4,9-12 e Dn 1,8-12, podemos ter uma visão muito clara desta distinção.
No aspecto quantidade é importante observar os parâmetros de nossa cultura alimentar e:
a) Ter ideia do quê e quanto, em peso, habitualmente consumimos nas
refeições (os usuários dos “selfservice” por quilo, podem ter noção mais
precisa) e quanto realmente o nosso organismo necessita;
b) Conhecer os valores nutricionais e calóricos dos alimentos em nosso
cardápio habitual e o que pode ser eliminado ou substituído; como regra
geral consideramos a necessidade de grandes quantidades e variedade de
alimentos para o nosso sustento diário, quando na realidade uma
alimentação bem equilibrada será menor em volume e variedade e assim
evita-se o desperdício.
Além do domínio dos vícios, o jejum enobrece a mente, auxilia alcançar
as virtudes da sabedoria, da prudência e temperança, promove o
bem-estar, recupera as perdas espirituais e nos prepara para a batalha
do dia-a-dia da fé; por isto é eficaz em quatro áreas fundamentais:
alimentar e física; Mental e psicológica; Moral e religiosa; Vida de fé.
Este trecho foi retirado do livro “Alegra-te quando jejuares” do autor Licio Nepomuceno e está disponível na Editora RCCBRASIL.
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